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domingo, 10 de junho de 2012

Olhar interior



Há textos que são pedras d'ouro arrancados da mina interior da pessoa que se rende ante o escritor, cede, permite que a caneta espete a Terra Sacra de dentro, observe nossas entranhas mais profundas, nossa tribo que viaja conosco, que viaja em nós, que é nós... É bom sabermos como essa tribo anda sempre, é bom visitar, é bom magoar-se, sofrer, alegrar-se, ou não...

Essa nossa Tribo de vivos e mortos, dos que muitos são pessoas, são nossos pais, que quando mortos guardamos misturando as lembranças de antes e as de depois de eles terem parado de nos falar com os lábios... Mas nós sempre os entendemos igual, às vezes até sem mesmo sabermos que os entendemos. Para além dos pais, estão os irmãos, ou não, estão os filhos, as filhas, ou não, estão os parentes, mais ou menos, estão os amigos, os inimigos, os vizinhos, e mesmo a imagem dos desconhecidos... E depois nós próprios. Nós, integrados por todos eles e muitas mais cousas...

Nos próprios carregamos mortos que somos nós mesmos, por cada desejo não concretizado, não conquistado, renunciado, nasceu em nós um morto, o que por vezes esquecemos de enterrar, mas é preciso fazer isso, é preciso um funeral de despedida... Talvez escrever as suas memorias, começando pela alegria de quando esse sonho, agora morto, fora concebido, e chegando depois ao final, porque não podemos negar eternamente; mortos, físicos ou não, acabam por cheirar mal, e as pessoas que conosco andam vão dando as queixas se nós quisermos ouvir; ora feito o ritual de despedida, feita a despedida, se liberta essa parte de nós...

Por um tempo ficamos sentindo a 'ausência' do peso que levávamos sem perceber; aí ficamos livres para sonhar de novo, mas o nosso sonhar, agora mais experiente, pode escolher sonhar mais realisticamente; ora bem, como isso é contrario ao que é a essência de sonhar, muitas vezes terminamos por escolher não sonhar mais, não desejar mais, não querer que os pés da alma andem longe dos pés dos olhos... porque eles juntos, unidos, podem até desouvir os pés do coração, que com sua desmesurada elasticidade, pode chegar a onde os olhos não enxergam mais... Talvez por isso ficamos parte do dia olhando para o infinito... Não, o amor não é cego, acontece é que o coração se esconde... Mas apenas dos olhos de fora, dos de dentro, desses, com os que vemos com tanta claridade e ternura tudo que não vêem os olhos da cara, desses nada se esconde...

Concha Rousia
Quintal d'Amaia 3 de junho de 2012

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