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sábado, 15 de outubro de 2011

Des-invenções

O tempo de Remedios Varó
Lembro o dia que decidi contar os dias nos que não saía o sol, e contar também os dias nos que que não recebia carta tua... logo descobri que eram os mesmos... e a vida era apenas composta de longas noites nas que a luz não abrigava os meus sonhos. Hoje desejo tanto amanhecer que desenho o meu rosto no azul de um dia que invento, como é belo o sol novo, poderia ficar aqui o tempo todo... mas hoje não me faz graça e tapo logo esse espelho fechando os meus cansados olhos, apago assim o sorriso reflexo e desenho noites com luas tranquilas, quero sonhar amanheceres esquecidos de se nascer para minha existência... Mas eu memória insana, memoria imorrente, memoria, memoria... Eu não posso esquecer o que sei, o que lembro, o que me não lembra... Eu não escolhi o momento preciso de vir, eu apareci sem saber por onde entrei,mas sei que devo saber escolher o momento da minha partida, ou não serei eu quem vá... ou não serei eu... Mas agora sou, com minha consciência absurdamente sã, reconheço que ninguém me reclama que eu exista, nem sequer tu, meu bem, meu Amor que me negaste já três vezes:
primeiro na palavra
depois na obra
e finalmente na omissão
ou talvez foi outra a ordem...
Naturalmente ninguém está obrigado a saber o que omite, esquece isso, não é esse labor teu, esse é labor do destino, ele é quem soma e vai cobrando ou vai fazendo-nos pagar, acredita, eu sei disso...

Hoje enquanto me despeço, passeio por avenidas lindas mas que a mim me resultam desoladoras, avenidas que não são minhas, mesmo que eu passe por elas, nunca vão ser minhas, não me pertencem, eu sou apenas mendiga de paisagens que me ferem por sua tanta beleza... que eu queria minha, ahhhhh queria evitar meu encontro com elas, mas como elas são hábeis na minha procura e sempre sempre me encontram... leio-as, vivo-as, respiro-as como os segundos de vida que se vão com elas... Depois parto como um deus negado em seu céu, vou-me com minha fúria, rompo espelhos, de sete em sete, mesmo que seja por desgraças quero marcar eu o meu tempo... Parto sem mim, sem ti, sem esse nós que eu inventei para eu existir nele, mas até os cegos acabam por ver, acabam por chocar com seus espelhos que rompem e o sangue os faz ver a realidade...

E agora devo, por cima da dor, colocar outro céu, salvador, que me resgate, e faço isso como a criança que nada sabe da vida, inventa novos deuses, inventa novos céus, novos universos...
e se desinventa ela
e se desinventa ela...

(em andamento...) 

Concha Rousia

7 comentários:

  1. Eu sei o quanto complicada é de entender a minha simplicidade... Que o mundo me desculpe...

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  2. Não, não é complicada, é simplicidade implicada de eus, de nós. Linda simplicidade que nos estonteia de amor à sua escrita.

    Bom que você voltou.

    Beijos, Hosamis.

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  3. Hosamis, minha amiga, andei no meio do Atlântico, nessas ilhas misteriosas dos Açores... volto sempre como de uma viagem ao meu interior... deixei lá minha velha idade, se é que a idade se pode deixar nalgum lugar... Agradeço muito o carinho com que tratas os meus escritos, beijos e um feliz dia para ti, minha amiga querida.

    Concha

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  4. Simples sim. mas de uma harmonia que nos enche de esperança. Lembrou-me o fernando pessosa.
    abraços

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  5. Olá querida Concha,

    Tens nos olhos céus, mares, terras e orquídeas, muitas orquídeas.
    O teu interior, manta de retalhos, deslumbrada e à mercê.
    Texto lindíssimo. Adoro saber e não saber, estar e não estar, querer e não querer...

    Beijos e abraços da luz.

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  6. Obrigada Sandrio, pelastp tuas palavras de carinho, um abraço grande, ando com saudades de te ler, irei depois lá... Concha

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  7. Boa noite Luz, minha amiga... Que lindo isso que me escrevés-te aí, lindo lindo, fico grata pelo carinho, talvez o texto permite ver que a autora anda um bocado necessitada :) Obrigada, sempre! Concha

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