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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O saber da água...


                                              (imagem google)

(dedico este meu contar, ao ser chamado Avelino Abilheira)

Em Setembro celebras-se a festa da aldeia, celebra-se o Carme e o Santiago juntos; as datas foram mudadas porque os messes que lhe correspondiam a esses santinhos não eram de jeito no mundo labrego e houve anos que arderam as medas do pão por mor dos foguetes; foi por isso que se mudou o festejar para o último domingo de setembro seja o dia que for... mas comemora-se é a virgem do Carme e o Santiago juntos... Agora não é como dantes que duravam uma semana ou duas os preparativos... esfregar o chão do quarto, que esse dia era de jantar, mas outro dia vinha a ser a sala do defunto, ou o lugar onde as moças casadeiras recebiam aos moços que lhes andassem a falar... e ainda outro dia era o lugar onde dormir os convidados em camas colocadas de propósito...

Mas agora a casa vive sozinha... a gente fugiu, uns para o Além, outros para o esquecimento, e outros para as trincheiras da poesia, e outros para nem sei donde... Também esfregávamos os bancos de madeira com uma espécie vassoiro de raízes duras de mão, que nem sei mais como se chamava; este de mão era diferente do de esfregar as tábuas do chão, que era encabado, para não ter que andar de joelhos...

Um més antes começávamos a juntar os ovos para fazer o roscão... daqueles do buraco no meio... Horas de música de batedores em caldeiro de zinco, esse metal que agora não se usa muito e que a mim hoje, não sei porque motivo, me traz à lembrança o poema moçambicano 'quero se tambor'... e quando a música que saíra dos braços das nossas mães parava e a doce massa ia parar às formas, os caldeiros e os batedores eram entregues as crianças... Não podiamos ter medo a gripe... porque irmãos lambem juntos... os lindes do ser individual ainda não foram inventados... O dia chegava... Depois da alvorada vinha o jantar-do-meio-dia (assim se chamou sempre). Depois a gente ia para a aira da festa, a música era de perto, a banda de Parada ou uns gaiteiros de por ali perto... não havia grandes orquestras, e ainda bem, porque assim a música não nos fazia a cada ano mais estrangeiros de nós próprios... Por vezes ser pobre é uma grande riqueza, mas acontece que demoramos em descobrir...

Contudo agora as festas reduzem-se a uma cheia de familiares que nos desconhecemos, uns mais e outros menos, a jantar juntos e pouco mais... Da 'festa' fica apenas a Fonte do Meio da Aldeia... tudo o resto tem um sabor diferente. Mas a água segue a ser a mesma. Quanta água se levava a cassa esse dia e os anteriores...! Este ano quando eu partia para voltar às terras d'Amaia, onde agora moro, parei e enchi uma garrafinha de água a meu passo pola Fonte. Fui bebendo para Compostela... a sobrante acompanhou-me dias depois a Bragança, lá andou comigo nos Colóquios da Lusofonia com os irmãos de língua chegados de Brasil, de Macau, de São Tome, de Nigéria, de Bulgária, da Roménia, de Portugal continental, dos Açores, e também da Galiza... Vi, em terras trasmontanas, algum sinal que não vou aqui desvendar, mas deu para compreender cousas... que esqueci logo.  Voltei para Compostela... 

O dia a seguir, dia 5 de outubro, quando me dirigia à rua do Vilar para um seminário de Lexicologia, com muitos dos amigos vindos de Bragança, já passava perto do muro de São Francisco, (que é santo do meu dia de anos) começou a chover, abri o meu guarda-chuvas e de dentro dele caiu a garrafinha que me tinha acompanhado sem eu ter sido muito consciente, afortunadamente não era de vidro...

Foi vê-la e... Ante mim se passaram imagens do passado, muitas das que eu não podia ter lembrança... depois a água, como o ser vivo que é, me falou junto com o rumor da chuva... eu segui o que ela me indicou... Bebi, dei de beber a terra e ainda ficou algo na garrafinha para as pedras... As imagens do passado esvaeceram transformando-se nas que vinham do futuro... entendi sinais que tinham estado aí (como diria o outro, nas minhas ventas) mas eu nunca reparara, sei que foi a água, que me fez ver... o que senti é indescritível; uma frase dum livro que me ofereceram havia 10 anos justos o dia antes, o meu dia de anos, e que eu não tinha aberto até esse dia, veio à minha cabeça... o livro trata da filosofia Adleriana e o sentido da vida, a frase era... 'we know more than we understand'  Vou deixar a minha narrativa por aqui, mas digamos que eu esse dia compreendi muita cousa que sabia, e não sabia... Também entendi porque levo pedras comigo... Ao ver de novo o relato do senhor Avelino Abilheira lembrei este episódio que estava logo para esvaecer da minha memória, e decidi escreve-lo, e agora sim, já posso esquecer...

Concha Rousia



Nota final: A capacidade da magia vai em nós, em todos e todas nós, é apenas questão de a deixar assomar polos olhos...

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