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terça-feira, 10 de setembro de 2013

OS AMANTES

 
(Os donos do tempo)
 
A madrugada e o galo
se entendem: Falam... !
Ele chama e Ela vem

Ou Ela vem e
por isso Ele chama

Tanto faz a ordem no círculo 
em que eles se acompassam 
um par que se compenetra 

Ela vem de muito longe
Ele aguarda sempre por Ela 
num presente exacto 
sem décimas de segundo 
a serem desperdiçadas... 

Eles são o próprio relógio
que o tempo consulta 
para saber quando mudar
os ponteiros na cara do sol 

E eu tão perdida olho-me neles
sem ter à certeza de qual 
alvorada deveria eu chamar

Se a de ontem se a de amanhã

Sei é que esta de hoje
como o amor que nela veio 
eu não sei por onde entrou 

A madrugada e o galo, sim
eles são os donos do tempo

E eu..., eu só o vejo passar

Concha Rousia 10,9,13

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Sheraraze: Além do Deserto



(Ou a Crónica de uma insónia anunciada)

Se soubésseis como eu me quero perder deixaríeis de me visitar mil e uma vezes, deixaríeis de me falar, de me conectar com o mundo em que eu já não acredito, mesmo sabendo que existiu. Duvido até da memória, sei como se fabricam as cousas nos olhos, quanto mais a lembrança do que foi visto, e misturado depois com imaginação, fantasia, medo e outros condimentos  menos gostosos e mais perigosos. Andava eu com esses assuntos da percepção na cabeça quando o sol se foi a navegar o Atlântico. Com velas pretas sobre mim cavalga então a noite, e eu sonhando com que chegue a madrugada, azul, verde e dourada...

A insónia caiu ontem com uma densidade que nem a pedra mais dura, quebrou a noite em mil e um pedaços, em cada pedaço achei uma dúvida minha, e nem um só conto e nem sultão ao que contar-lho. Como me distrair? terei que beber água. Fui a cozinha tantas vezes como noites nasceram da pedrada...

Fui e fui e voltei ir, e ir, e ir... Até que os móveis da sala, aborrecidos de me verem passar, começaram a olhavam-me de jeito estranho, nem vou dizer que me olhassem mal, digo apenas estranho...

Primeiro olharam para mim como se me não conhecessem, o que achei bem esquisito, pois eles me conhecem desde que vivem aqui, me conhecem vestida, me conhecem nua, me conhecem alegre, triste, saudosa, sozinha, acompanhada... O que vou dizer?! O sofá sabe mais segredos meus dos que eu poderia ter contado numa vida a um psicanalista, nem eu própria poderia lembrar todos nestas noites juntas que como um livro preto, sem folhas, se colocou dentro de mim, e fora de mim, pois a pele também não me dorme hoje, parece como que tudo proe*, ainda bem que na sala não há espelhos. Nem quero pensar o que me diriam...

Pensei em desistir de ir beber, assim também evito ter que passar pelos espelhos do quarto de banho, melhor ficar na cama bulindo e rebulindo o corpo e as noites até que tudo se solde e o sono prenda raiz em mim e deixe sair a árvore que cresce pelos sonhos adiante. Mas estava curiosa, será que a pedra vulcânica esta da insónia também alterou a mobília da sala?! Estive para sair a perguntar, sei, sei que móveis não falam, mas eu disse perguntar, não disse ouvir o que os móveis tenham para dizer... E fui, fui convencida de soltar aquelas minhas perguntas sobre a tapete cor do vinho e suavidade das plumas dos anjos, e quem sabe...! talvez algum poema, ou pensamento filosóficom apareça, por vezes isso acontece. Fui.
Mas...
Qual não seria a minha surpresas quando ao entrar na sala vi que os moveis estavam todos juntos, como numa reunião conspiratória, um motim, demasiada camaradagem, diria eu; a cadeira em que sempre me sento tinha uma pata sobre o sofá em atitude de aproximação para contar segredos, ou cousas piores. Sem dúvida estavam maquinando alguma coisa. Não podia dar crédito ao que viam os olhos, esfreguei-os fechados com os punhos, como fazem nos filmes, tinha que ser sonho, miragem, tenho andado muito a pensar em desertos. Tem que ser isso; efectivamente abri de novo os olhos e vi tudo no seu lugar; na sala cada cousa tem o seu lugar, pelo menos desde que é sala, antigamente foi corte de vacas, e eu fico a imaginar que ainda elas moram cá comigo... Se morassem elas, a elas sim saberia eu perguntar, e achar resposta ao ritmo do remoer e do chocalho, verdadeiro Gong... 

Respirei calmamente. Dei volta dizendo-me a mim mesma 'vamos para a cama não vá ser o diabo'  E aí foi que o móvel mais novo, o recém chegado de IKEA, pretinho, quase um desconhecido ainda em casa, me cravou a olhada pelas costas, como se gritasse: "Não queremos que nos cubras com os lenços brancos" Foi assim que soube que a hora de partir tinha chagado. Assusta descobrir assim que moramos nos objectos, descobrir que a alma se reparte por toda a parte. Quanto custará recolhê-la agora, arrancá-la para levá-la?! Será que ela é para ficar repartida, gastada, como água que regou caminhos?! E quando se termina seu trajecto, suas mil e uma noites, ou suas vidas, o rio seca... e a última gota de nós chega ao imenso mar da morte. Bom, fui para a cama, finalmente a profecia tinha-se cumprido: um pensamento filosófico, ou poético, ou miragem filha de um deus onírico, tinha-me visitado.

Concha Rousia 27,8,13

prói* (de prurido)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

ESPINHOS DE AUSÊNCIA


ESPINHOS DE AUSÊNCIA

(A um cavaleiro despistado)

com leveza de pétala
bati na tua porta - - -
dentro acendeu a luz
mas a porta não abriu

Esperei

Outra viajante chegou
bateu também na porta:
abris-te e respondeste
com um sorriso de rosa

Vendo-me invisível
Parti

Sonhando com que
visses minha ausência

Conch Rousia

terça-feira, 28 de agosto de 2012

TEMPOS DUROS

 

Na Galiza o tempo é de pedra, o sol é de pedra, a alma é de pedra

O padre, Adolfo se chamava, já morto posso dizer seu nome...
O padre vendera os santos, vendera a pia os altares, vendera a alma...

O padre olhou para o homem do sol lá no campanârio,
assim chamava o pai o relogio de pedra...

O pai olhou para o padre e disse:
Se você leva o homem, se o baixar e o levar, não suba mais à aldeia pois subir subirá, mas descer não desce mais...

O pai falava com orgulho de seu jeito de defender o nosso relógio de sol, o único que temos para medir o tempo pois vivemos num mundo no que outros nos mudam a hora...

O padre acovardou-se e não tocou o homem de pedra, do sol, e das horas, e agora está morto...
Mas, mesmo assim, a cada vez que subo à aldeia olho para a torre da igreja... Porque a minha memória também é de pedra... 

Concha Rousia 
Quintal d'Amaia 28 do 8 de 2012

domingo, 5 de agosto de 2012

JÁ NÃO ESPERO


 


 


JÁ NÃO ESPERO 

Já não espero carta tua
Já me afoguei noutras palavras
a palavra pedra 
a palavra água
recortando um horizonte sem saída
sem barca e nem capitão
e sem tu te importares...

Já não espero carta tua
Já vi tua morada de número arrancado
Já vi meu carteiro devorado pela rua 
Já se perdeu com minhas cartas
comidas antes de tocarem seu destino

Já não espero carta tua
perdi o endereço de teu coração errante
e as minhas mãos já se negaram 
três vezes hoje às palavras 
agora plantam plantinhas no quintal 
escutam a Melra como se mãos ouvissem 
e voam, ahhhh como minhas mãos voam
quando da nossa alma se escondem...

Já não espero carta tua
Já não te escrevo
Já perdi a caneta noutras batalhas
igualmente irreparáveis...
Já minha liberdade me prende noutros nadas
Já não espero carta tua
Já não espero

Concha Rousia 
Quintal d'Amaia 27 do 7 do 2012 

http://www.youtube.com/watch?v=esrTfwBiOM0&feature=player_embedded
 

Só ante o silêncio


LER OUVINDO: http://www.youtube.com/watch?v=esrTfwBiOM0&feature=player_embedded#!

Só ante o silêncio

Ante a invernia do silêncio 
vestí no corpo as cores do dia
vesti os olhos de ausência
e comprovei que tua camisa 
era do tamanho do meu céu

Depois reparei nas palavras
Nas minhas
Nas usadas
Nas tuas
Nas por nós abusadas

No silêncio reparei também
Nas palavras sonhadas
Nas roubadas
Nas desesperadas

E foi no silêncio que escolhi calar
sei que poderia se o permitir
ver crescer em mim infernos 
nos que lembrar palavras 
que nunca foram minhas

Mas no ventre do silêncio decidi
destroçar a arqueologia de todo eco
ouvir apenas os tambores do medo
meu medo que fala alto 
meu medo que se impõe
até apagar esse abismal silêncio

Concha Rousia
Quintal d'Amaia 26 do 7 de 2012
NÂNTIA NO JORNAL La Voz de Galicia de hoje...

Por vez primeira na sua curta história Nântia sai retratada no jornal.... Essa foto minha com ela foi tirada ontem no dia da Galiza, no Festigal... Tudo altamente simbólico, e eu não podia deixar de dividir com todos e todas vós, amigos de Nântia e meus... Com os que me acompanhastes fisicamente, que fostes muitos, e com os que me acompanhastes de outras muitas formas... todas elas eu apreço e guardo com carinho...
Agora minha Nântia, vossa Nântia, nossa Nântia... começou a sua andaina. Obrigada....